sábado, 8 de outubro de 2005

A Justiça da Bola

Fernando Chagas Carvalho Neto
Presidente do Sport Club Internacional


A bola não é a inimiga
como o touro, numa corrida;
e, embora seja um utensílio
caseiro e que se usa sem risco,
não é o utensílio impessoal,
sempre manso, de gesto usual:
é um utensílio semivivo,
de reações próprias como bicho
e que, como bicho, é mister
(mais que bicho, como mulher)
usar com malícia e atenção
dando aos pés astúcias de mão.

João Cabral de Melo Neto
O futebol brasileiro evocado da Europa

Fui buscar, na pena e no sentimento do poeta pernambucano, consolo e estímulo para enfrentar a violência que se derramou sobre o futebol nacional, a partir do último domingo, quando, em rede nacional de emissoras de rádio e TV, horas antes do início de mais uma rodada do Campeonato Brasileiro da Série "A", o Presidente do STJD anunciou a anulação de 11 partidas suspeitas de manipulação de resultados pelo árbitro Edilson Pereira de Carvalho.

Detalhes acerca da denominada máfia da arbitragem são conhecidos do grande público, dada a ampla divulgação realizada pela mídia.

Todavia, desde os anos de chumbo, não se sabia de ato de exceção tão esdrúxulo, destemperado, imperial e draconiano como o praticado pelo Dr. Zveiter, sem o engenho e a arte de um Armando Falcão ou de um Golbery.

Sem, sequer examinar, mesmo sumária, mas tecnicamente, as reproduções televisivas dos 11 jogos, em inédito "processo secreto", o Dr. Zveiter, baseado na opinião técnica do pai de um amigo seu, de identidade não revelada, que dissertou sobre a dubiedade comportamental, enquadrou os procedimentos e declarações do árbitro Edilson nesse matiz, extraindo daí o fundamento jurídico para sua irrecorrível decisão, sem que fosse possibilitado a interessados diretos - os clubes, vez e voz no procedimento administrativo originário.

Quem não gostaria de ser amigo do rei , ou, também, pai do amigo do monarca !!!

Pois, pasmem os leitores, a decisão, assim publicizada, que atinge patrimônio de clubes, direitos de jogadores e a expectativa de torcedores e consumidores, não permite a estes o acesso aos autos, na medida em que, segundo o Dr. Zveiter, correm "em segredo de justiça", ferindo a garantia constitucional que assegura o contraditório, a ampla defesa, o acesso ao Judiciário e as normas do próprio CBJD (art. 37), e bem assim o próprio Estatuto do Torcedor (Lei nº 10.671/2003) que impõe sejam públicos os atos processuais perante a Justiça Desportiva (artigo 34), vedando expressamente a tramitação dos processos em segredo de justiça (artigo 35, parágrafo único), sob pena de nulidade absoluta das decisões que resultarem dos procedimentos em que haja a inobservância destas premissas (artigo 36).

Acreditem, não podem os clubes, diretamente prejudicados, sequer usar dos recursos que lhes são oferecidos pela Justiça Comum, porquanto poderão ser penalizados com rebaixamento à série hierarquicamente inferior, hipótese que "Seu Zveiter" (como dizem os atletas), proclama aos quatro ventos para sustentar suas decisões.

Trata-se, simplesmente, do futebol pentacampeão mundial, do maior e melhor certame da modalidade, circunstância que atrai atenções e interesses, especialmente mercadológicos, de todos os recantos do planeta.

Não acredito que a decisão proferida sem a observância dessa realidade e dos critérios fixados em lei, que determinam a comprovação caso a caso da contaminação ou manipulação de resultados para que seja anulada a partida (art. 259, par. único, c/c art. 275, par. único, do CBJD), tenha por justificativa privilegiar o Corinthians ou qualquer outra agremiação. Contudo com a anulação dos 11 jogos, reflexamente, o Timão foi extremamente beneficiado, tanto pela questão anímica, como pela possibilidade de reaver 6 pontos que perdera dentro do campo, sem a prova de fraude .

Sou e continuarei, como qualquer torcedor, amante do bom futebol, do jogo jogado, da firula, do drible, da forte marcação, do lançamento, da assistência e, acima de tudo, do gol.

Este amor não se deixará trair ou iludir por episódios de duvidosa consistência, e por atitudes impróprias para um futebol repleto de glórias

Será pela astúcia, pela malícia, pelas sutilezas da bola que se fará justiça.

É bom frisar: A BOLA PUNE !

Acredito, como João Cabral, que, ao final, a bola triunfará.


Texto publicado no jornal Folha de São Paulo

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